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domingo, 23 de maio de 2010

Serenata do Adeus

Ai, a lua que no céu surgiu
Não é a mesma que te viu
Nascer dos braços meus...
cai a noite sobre o nosso amor
E agora só restou do amor
Uma palavra: Adeus...

Ai, vontade de ficar
Mas tendo de ir embora...
Ai, que amor é se ir morrendo
Pela vida afora
É refletir na lágrima
O momento breve
De uma estrela pura
cuja luz morreu...

Ò mulher, estrela a refulgir
Pane, mas antes de partir
Rasga o meu coração...
crava as garras no meu peito em dor
E esvai em sangue todo o amor
Toda a desilusão...

Ah, vontade de ficar
Mas tendo de ir embora...
Ai, que amar é se ir morrendo
Pela vida afora
É refletir na lágrima
O momento breve
De uma estrela pura
cuja luz morreu
Numa noite escura
Triste como eu...

(Vinícius de Moraes)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

BALADA TRISTE


...e tu passaste, indiferente,
e foste embora sem saber
que em outro peito ,tristemente,
um coração estava doente,
um coração ia morrer.

Dona do olhar profundo e ardente,
Dona dos gestos sem prazer,
Dos olhos meus passaste rente,
como uma flor triste e dolente,
na sombra azul do entardecer.

E tu passaste indiferente,
E foste embora sem saber
Do coração que estava doente,
Dona do olhar profundo e ardente
Dona dos gestos sem prazer.

Como uma flor triste e dolente
Na sombra azul do entardecer,
Ele morria lentamente,
E tu passaste indiferente,
E foste embora sem saber...

Alceu Wamosy
De Antologia de Escritores Brasileiros
Alzira Freitas Taques, pág.2.804 1.958

sábado, 15 de maio de 2010

'EXTREMO-ORIENTE'

A vida é uma flor que eu mal aspiro,
pois todo o aroma é pérfido, no fundo.
Numa ilha ideal vivo em retiro,
longe dos homens vãos, fora do mundo.

São finas porcelanas delicadas
os meus prazeres, em que toco apenas.
E do meu chá nas espirais levadas,
em ondas aromais, vão se me as penas ...

Passo os dias a olhar, pela janela
do quiosque encantado onde me abrigo,
rios de ouro em paisagens de aquarela.

E, poeta real nas vestes e etiquetas,
faço, com o abano do meu leque antigo,
voarem meus sonhos – como borboletas ...

Onestaldo de Pennafort
in Poesia

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Solidão

Imensas noites de inverno,
com frias montanhas mudas,
é o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.

Este rugido das águas
é uma tristeza sem forma:
sobe rochas, desce fráguas,
vem para o mundo e retorna...

E a nevoa desmancha os astros,
e o vento gira as areias:
nem pelo chão ficam rastros
nem, pelo silencio, estrelas.

A noite fecha seus lábios
- terra e céu – guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.

(Cecília Meireles)

sábado, 8 de maio de 2010

Poema à Mãe


No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

(Eugénio de Andrade)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

SONETO PARA VINÍCIUS, ANTÔNIO EM MEIO AOS ANJOS


Entre nuvens te vais, rumo ao país do frio.
Mas se a noite desfaz tuas claras pegadas,
luz o poema no tempo, e a flor das madrugadas
acende sobre a mesa o teu copo vazio.


Tua flauta de Orfeu teve a doçura e o brio
que a alma do povo entende; em teu canto às amadas
fez-se apelo e queixume o sonho fugidio:
consumiste em paixão as coisas desejadas.


Em teu samba chorava a sofrida ternura,
e ao ritmo do violão doce gemido era
a dor/chama do amor, eterna enquanto dura.


Agora, ergue o teu corpo e saúda o caminho:
entre os anjos te vais; e estão à tua espera
São Francisco de Assis e seu Jesuscristinho.



Waldemar Lopes
In: Cinza de Estrelas

sábado, 1 de maio de 2010

A CONCHA

Talvez te seja inútil minha vida,
Noite; fora do golfo universal,
Como concha sem peróla, perdida,
Me arremessaste no teu areal.

Moves as ondas, como indiferente,
E cantas sem cessar tua melodia.
Mas hás de amar um dia, finalmente,
A mentira da concha sem valia.

Jazer só a seu lado pela areia
E pouco faltar para que a escondas
Nessa casula onde ela se encandeia
à sonora campânula das ondas,

E as paredes da frágil concha, pouco
a pouco, se encherão do eco da espuma,
Tal como a casa de um coração oco,
Cheio de vento, de chuva e de bruma...

Ossip Mandelshtam
Poeta Russo, nascido em 15.01.1891
Terminou seus dias num campo de prisioneiros, em 27.12.1938, na Sibéria.
Estudou na Escola de Tenishevsky, Universidade de Heidelberg e Universidade de St. Petersburg.

Dá-me tua mão...


Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela
canção das colheitas.
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem
os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas
entreabertas.

Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo
agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.

Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito
amada.


Adalgisa Nery
in As Fronteiras da Quarta Dimensão (1951)

A Rua dos Cataventos – XVII


Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!


Mário Quintana
in A rua dos Cataventos

Porto Parado


No movimento
lento
das barcaças
amarradas
o dia
sonolento
vai inventando as variações das nuvens...

Mario Quintana
In A cor do Invisível