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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

(Carlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Dúvida

Sinto-me escravizada pela dúvida
e me incomoda e intriga, domina
a alma, queima o peito invadindo
todo ser sem momento de trégua.

Castigo torturante é viver com receio,
sinto-me maltratada amargando fel,
abismo se abriu no passado e não vejo
limpidez do futuro, ameaçam dúvidas.

Pergunto-me: onde andará você?
Éramos felizes no passado e agora...
Pressinto revelação no ar, novos
momentos de agonia, vem a dúvida.

E o pensamento intrigante tenta ouvir
o som das palavras doces de outrora,
que somos felizes agora, não tanto
como no passado, porém, duvida...

(Marta Peres)

O Sentido Secreto da Vida

Há um sentido profundo
Na superficialidade das coisas,
Uma ordem inalterável
No caos aparente dos mundos.

Vibra um trabalho silencioso e incessante
Dentro da imobilidade das plantas:
No crescer das raízes,
No desabrochar das flores,
No sazonar das frutas.

Há um aperfeiçoamento invisível
Dentro do silêncio de nosso Eu:
Nos sentimentos que florescem,
Nas idéias que voam,
Nas mágoas que sangram.

Uma folha morta
Não cai inutilmente.
A lágrima não rola em vão.
Uma invisível mão misericordiosa
Suaviza a queda da folha,
Enxuga o pranto da face.

(Helena Kolody)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Amor e Medo

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
-”Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”

Como te enganas! meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco…
És bela – eu moço; tens amor, eu – medo…

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremeço de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea – ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: – que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas!…

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos – palpitante o seio!…

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho…
Vermelha a boca, soluçando um beijo!…

Diz: – que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca – sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois… desperta no febril delírio,
- Olhos pisados – como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?…
Eu te diria: desfolhou-a o vento!…

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela – eu moço; tens amor, eu – medo!…

(Casimiro de Abreu)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Surdina

Quem toca piano sob a chuva,
na tarde turva e despovoada?
De que antiga, límpida música
recebo a lembrança apagada?

Minha vida, numa poltrona
jaz, diante da janela aberta.
Vejo árvores, nuvens, - e a longa
rota do tempo, descoberto.

Entre os meus olhos descansados
e os meus descansados ouvidos,
alguém colhe com dedos calmos
ramos de som, descoloridos.

A chuva interfere na música.
Tocam tão longe! O turvo dia
mistura piano, árvore, nuvens,
séculos de melancolia ...

(Cecília Meireles)

Sendo poesia ...

Seja poesia, a estrada da existência
que, iluminada à luz do dia,
trafegamos entre descobertas e parecências!

Seja poesia, posto que a noite não demora
e, de uma alma vazia,
a flor da semente dos sonhos não brota.

Seja amargura, ternura, açoite ou seja simplesmente
tudo, pois sendo transcendente e profundo,
o universo da entrega trará um sol para sua noite.

Seja a poesia que encanta e ensina um mundo diferente
e, pelo viés do avesso do conhecimento,
cumpra a sina de percorrer a eternidade num momento.

Ser poesia é mais que fazer versos, é ser o inverso
da compreensão das aparências, e, por dentro e antes e sempre,
colorir o papel do mundo de fraternidade e coerência.

(Mauro Veras)

domingo, 9 de agosto de 2009

Canção Pensativa

Um toque da solidão,
e um dedo severo me traz à realidade:
não depender dos meus amores,
não me enfeitar demais com sua graça,
mas ver que cada um de nós é um coração sozinho.

Cada um de nós perenemente
é um espelho a se mirar,
sabendo que mesmo se nesse leito frio e branco,
um outro amor quer derramar-se em nós,
entre gélido cristal e alma ardente,
levanta-se paredes para sempre!

(E para sempre a amante solidão nos chama e abraça.)

(Lya Luft)

Irei por meu caminho

Irei por meu caminho sem sentir minhas dores,
sem sentir minhas dores que ficarão atrás.

Irei pelas beiradas recolhendo as flores,
deste longo caminho que já não verei mais.

As sarças do caminho cavarão seus espinhos,
farão verter o sangue do meu corpo cansado.
E enquanto velozmente passem as andorinhas
verão meus membros rotos e meu corpo curvado.

E na imensa jornada desta longa vereda
o espírito apagado se tomará de brios.
As sarças me perfuram e por isso as venero
como venero as flores sob o sol do estio.

Contudo, as aridezes deste longo caminho
farão cicatrizar minhas feridas abertas:
minh'alma afundará num suave letargo
e o olvido passará sobre as paixões extintas...

(Pablo Neruda)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

'AMANTES DA POESIA ANO III’ (Aniversário)

Palco de recomeço de minha vida literária!
Durante três décadas fui apenas escorpião no deserto
à procura de uma gota d’água que saciasse minha sede
de esperança. E há cerca de três anos a Débora Malucelli em
‘Vereda de Rosas’ me encontrou. E eu encontrei a Maria Madalena, essa
‘Valerosa’ mulher-ponte-de-luz entre os poetas e as estrelas.
Virei, então, um seixo em polimento sob as águas
de um regato de onde vim à tona por uma...

PORTA DE SONHOS

Fiz uma porta de sonhos
com duas partes viradas
para as portas do jardim
os dias foram tamanhos
e de todos fiz os sonhos
que vivi dentro de mim...

Naquelas partes viradas
para as rosas do jardim
inventei uma esperança
de viver de quase nada
e minha vida inventada
do nada restou assim...

A alma nua e penitente
com a calma da manhã
e a memória do jardim
no sonho da primavera
convivendo de quimera
nas duas partes de mim...

Afonso Estebanez

Vaidosa

Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.

Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério.

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
a déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração como as estátuas.

E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.

Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces
És tão loira e doirada como as messes
E possuis muito amor... muito "amor próprio".

Cesário Verde

Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Cecília Meireles

Inconfesso Desejo

Queria ter coragem,
Para falar deste segredo,
Queria poder declarar ao mundo,
Este amor!
Não me falta vontade,
Não me falta desejo,
Você é minha vontade.
Meu maior desejo...
Queria poder gritar,
Esta loucura saudável,
Que é estar em teus braços,
Perdido pelos teus beijos,
Sentindo-me louco de desejo.
Queria recitar versos,
Cantar aos quatros ventos,
As palavras que brotam,
Você é a inspiração.
Minha motivação.
Queria falar dos sonhos,
Dizer os meus secretos desejos,
Que é largar tudo,
Para viver com você,
Este inconfesso desejo!

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Verdade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.

E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

(Carlos Drummond de Andrade)
É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo."

(Fernando Pessoa)

domingo, 2 de agosto de 2009

Hino à razão

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros e sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade, entre os clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

(Antero de Quental)

À vida!

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfa-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia,
A gente esquece sempre o bom de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!

(Florbela Espanca)

Eu

Eu, quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora

quem está por fora
não segura
um olhar que demora

de dentro de meu centro
este poema me olha "

Carrego o peso da lua,
Três paixões mal curadas,
Um saara de páginas,
Essa infinita madrugada.

Viver de noite
Me fez senhor do fogo.
A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não.
Esse, eu mesmo carrego.

(Paulo Leminski)