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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Céu e o Ninho


És ao mesmo tempo o céu e o ninho.

Meu belo amigo, aqui no ninho,
o teu amor prende a alma
com mil cores,
cores e músicas.

Chega a manhã,
trazendo na mão a cesta de oiro,
com a grinalda da formosura,
para coroar a terra em silêncio!

Chega a noite pelas veredas não andadas
dos prados solitários,
já abandonados pelos rebanhos!
Traz, na sua bilha de oiro,
a fresca bebida da paz,
recolhida
no mar ocidental do descanso.

Mas onde o céu infinito se abre,
para que a alma possa voar,
reina a branca claridade imaculada.
Ali não há dia nem noite,
nem forma, nem cor,
nem sequer nunca, nunca,
uma palavra!


Rabindranath Tagore

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Poema do tempo


Tem o importante que sabe que é comum
Tem o comum que se acha importante
Tem o diamante que sabe que é pedra
Tem a pedra que se acha diamante
Enquanto isso, o tempo passa levando
Comuns, importantes, pedras e diamantes.

Ricardo Azevedo
In Ninguém sabe o que é um poema

segunda-feira, 11 de abril de 2011

ROSTO COM DOIS PERFIS


Renuncio às palavras
e às explicações.
Ando pelos contornos,
onde todos os significados
são sutis, são mortais.

Não quero perder o momento
belo. Quero vivê-lo mais,
com a intensidade que exige a vida:
desgarramento e fulguração.

Então me corto ao meio e me solto
de mim:
a que se prende e a que voa,
a que vive e a que se inventa.
Duplo coração:
a que se contempla e a que nunca
se entende,
a que viaja sem saber se chega
- mas não desiste jamais.

Lya Luft

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Melancolia

À volta todas as rosas eram vermelhas
A hera era preta.

Querida, assim com um só mover de cabeça teu,
Todos os meus velhos desesperos despertarão!

Demasiado azul, demasiado terno era o céu,
O ar demasiado suave, demasiado verde o mar.

Eu receio sempre, e eu não sei porquê,
Um lamentável afastamento de ti.
Eu estou cansado dos ramos de azevinho
E enfadado do alegre espinheiro

De todos os infindáveis caminhos do país;
De tudo, meu Deus! exceto de ti.


Ernest Dowson

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

DAS TARDES, SETEMBRO RENASCE

Trazidas das tardes, setembro renasce,
da fala da moça à janela sombria,
da torre tão pútrida voz da abiose ,
das águas do rio deste brilho do dia.

Eira sem beira das frontes das casas,
estio que tangido da terra postada,
dos cães deste abril sós urrando do prado,
dos ossos sem fôlego quase das asas.

Da moça franzina cá parva de olhar,
das aves sem branco do céu destas nuvens,
dos tons azuis mortos das frontes das pontes.

Passagem dos rios desta pedra do mito,
tinir quase breve das folhas das margens,
passadas dos passos dos mortos do séquito.

Eric Ponty

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Tempo

A mim que desde a infância venho vindo,
como se o meu destino,
fosse o exato destino de uma estrela,
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.

Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.

Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem,
amaria chamar-se Eliud Jonathan.

Neste exato momento do dia vinte de julho,
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.

Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.

(Adélia Prado)